A Festa de São Gonçalo de Outeiro

Texto: Luis Pereira



Cumprida anualmente no primeiro sábado que imediatamente se sucede ao dia de Ano Novo, a Festa de São Gonçalo de Outeiro congrega o labor e o empenho coletivo de dez mordomos que são os responsáveis por toda a logística relativa à manutenção desta ancestral tradição, cujas origens ainda não estão historicamente fixadas, mas que se pensa remontarem ao século XVIII.

Outeiro é uma pequena povoação que fica à margem imediata da estrada que liga Bragança a Miranda do Dou Douro, bem próximo e em antecedência da vila de Argozelo, uma outra localidade cuja história está marcada pela influência dos Judeus.

Em Outeiro não há referências a qualquer comunidade judaica, mas no morro que se desenvolve sobranceiramente na direção nascente dos dois principais núcleos do atual povoamento ergueu-se, pelo menos até meados do séc. XVIII, um importante castelo cujas origens se fixam no período medieval.

O interesse e a importância histórica de Outeiro não reside apenas no seu castelo, outrora designado como o Castelo de Outeiro de Miranda. Quem passar na antiga estrada de ligação 218-2, vai deparar-se com um majestoso templo, a Basílica de Santo Cristo, a única basílica portuguesa situada em espaço rural.

Mas a aldeia de Outeiro tem muito mais para mostrar e oferecer ao caminheiro ou viajante que se disponha a descobrir estas terras recônditas e belas que se desenvolvem numa faixa territorial fronteiriça do interior transmontano.

Uma das tradições deste povo com maior interesse é a Festa de São Gonçalo, uma manifestação do solísticio que na região se designa como o “Ciclo das Festas de Inverno”. Cumprida anualmente no primeiro sábado que imediatamente se sucede ao dia de Ano Novo, o acontecimento congrega o labor e o empenho coletivo de dez mordomos que são os responsáveis por toda a logística relativa à manutenção desta ancestral tradição, cujas origens ainda não estão historicamente fixadas, mas que se pensa remontarem ao século XVIII.

O culto a São Gonçalo começa por ser a primeira curiosidade neste período de comemorações regionais onde também prevalece a figura de Santo Estêvão e as festas relacionadas com o Reis e com o Carnaval. Esta será, portanto, uma primeira mas desafiadora incógnita em qualquer proposta de investigação que pretenda obter algum esclarecimento sobre as origens desta tradição que, à semelhança de tantas outras que ocorrem no concelho de Bragança e por todo o território do Nordeste Transmontano, mistura, de forma extraordinariamente humana, o sagrado e o profano.

São Gonçalo (1187-1262), foi um santo que viveu em território português e sobre o qual existe o consenso geral de ser um excelente pregador dominicano que acabou por se instalar junto às margens do rio Tâmega, onde atualmente se ergue a Igreja e o Convento de São Gonçalo, em Amarante, para a partir daí pregar o evangelho.

Ao que parece, a sua missão pregadora obteve um sucesso à escala permitida pela época e o seu posterior culto, após a beatificação, paulatinamente se espalhou por todo o Norte de Portugal e mesmo pelos domínios ultramarinos detidos por Portugal, de que foram exemplos a índia e o Brasil. Além do epíteto de “Casamenteiro das encalhadas”, as orações a São Gonçalo revelam, sobretudo, a procura da cura, o controlo das calamidades naturais, a proteção dos condenados, a proteção da miséria, a recuperação de bens perdidos e a interferência divina para afastar os perigos e dar saúde aos anciãos.

Como chegou o culto de São Gonçalo até Outeiro não se sabe muito bem, apenas se constata que a evocação deste santo é feita num período de festa revigoradora, de uma festa ritual que enfatiza o renascimento cíclico dos elementos congregadores e protetores das comunidades rurais do Nordeste Transmontano, onde os símbolos cristãos e profanos, assim como a música tradicional, tocada por gaita-de-foles, flauta pastoril, tamboril ou bombo, se misturam ordenadamente num processo gradual de comemoração em que quase sempre o pão emerge como o elemento centralizador e de destaque. Esse mesmo pão que no caso de Outeiro surge em forma de rosca ou mesmo de santo, em declarada evocação dos símbolos solares e divinos.


Conta-se, conta-nos o Sr. Ramiro Romão, um dos mordomos da Festa de São Gonçalo de Outeiro, que o culto deste santo e a construção da pequena capela que o acolhe e que se ergue timidamente mesmo em frente à majestosa basílica, começou devido a uma peste que quase dizimou toda a “criação” da aldeia.
A LENDA FUNDADORA
Null Ramiro Romão, mordomo da festa, fala-nos sobre a lenda relativa ao culto de São Gonçalo.
“Reza a lenda”, recorda-nos Ramiro Romão, que a devoção da população de Outeiro a São Gonçalo remonta aos inícios do Século XVIII. “Por essa altura terá havido aqui um surto de peste, muito usual nesses tempos, e uma vez que não havia tratamentos como há hoje, o povo da altura resolveu, em honra de S. Gonçalo, construir uma capela para que a peste fosse extinta. E, como de facto, isso aconteceu. Foi o milagre de São Gonçalo e passado pouco tempo os animais ficaram todos a salvo, ou seja, a peste desapareceu completamente e a partir de então a festa começou-se a realizar sempre no dia 10 de janeiro que é o dia de São Gonçalo”.

Desta forma, explicada pela lenda, a população de Outeiro começou a celebrar a festa anual em honra de São Gonçalo, tendo posteriormente associado a essa celebração a tradição do "Charôlo", num quadro festivo em que se percebe patente os diferentes momentos da festa tradicional transmontana, estando totalmente incorporados os momentos sagrados, como a liturgia cristã ou a procissão, e os momentos mais profanos, como a confeção das roscas e do charôlo, o peditório, o leilão, a “Dança da Rosca” ou a “Pandorcada”.

o culto do pão


T udo começa nos dois dias anteriores ao sábado da festa com a confeção das roscas e a organização dos ramos e do “charôlo”. Num salão da junta de freguesia local, equipado propositadamente para esse efeito com forno e amassadeira, os mordomos deitam mãos à cansativa tarefa. Mais de duzentas roscas vão ser amassadas, levedadas e cozidas. Depois de douradas e apetitosas ao olhar são colocadas em acolchoado adorno numa estrutura em forma de andor a que chamam “charôlo”.

ROSCAS FEITAS COM AMOR
Null Ana Quintas, mordoma da festa, explica-nos como são feitas as roscas
Ana Quintas, mordoma da festa, explica-nos como são feitas as roscas. “ Logo de manhã os mordomos dirigem-se para o forno da aldeia e cada um faz a sua tarefa. É necessário sumo de laranja, peneirar a farinha, bater os ovos, fermento, manteiga, água e muito amor. Mistura-se tudo e amassa-se. Depois de misturados todos os ingredientes, a massa fica a repousar durante duas horas e meia. Posteriormente cortam-se pedaços de massa à medida pretendida e no entretanto vai-se acendendo o fogo".

Simultaneamente vai-se batendo mais ovos para pincelar as roscas depois de serem moldadas em forma de sol ou em forma de um boneco que pretende a representação do São Gonçalo. Não raro, alguns dos pães de configuração antropomórfica representam também pares de namorados acompanhados de placas com iniciais de nomes para que a bênção do santo recaísse sobre eles.

Noutros tempos, que é o mesmo que dizer há cerca de cinco ou seis décadas atrás, essas representações, e também as placas em pão com a primeira letra do nome das raparigas, eram as mais “mandadas” nas arrematações do leilão de sábado à tarde.

AS LETRAS DOS NAMORADOS
Null “O charôlo era a mocidade solteira que o fazia". Maria Helena Geraldes explica a festa do antigamente
Maria Helena Geraldes, mulher já idosa e uma profunda conhecedora da tradição, conta-nos que “quando era nova” o “charôlo” era feito só por jovens solteiros, quatro rapazes e quatro raparigas, mas a onda de emigração que se fez sentir sobre região “levou-nos a mocidade toda e tivemos que nos adaptar”. Naquele tempo, retoma a conversa a Srª Maria, “o charôlo era a mocidade solteira que o fazia, porque são os rapazes solteiros que levam o charôlo. Fazíamos também muito boneco em pão e a rosca tal e qual como é agora. E fazíamos umas placas com as nossas letras iniciais do nome. Aquelas que tinham namorado, os namorados queriam comprar essas placas, os outros rapazes que o sabiam puxavam, porque isto é leiloado, um mandava e outro mandava, que era para fazer pagar muito ao namorado pelo nome da namorada”.

Agora são os mordomos, quase todos de idade avançada, que preparam os ramos e enfeitam o “charôlo”. Logo que cozidas, as roscas são disposta num longo corrimão de mesas, “para descansar”. Em toda essa azáfama, que roda integralmente à volta do pão - de um pão que aqui surge como símbolo de ligação ao trabalho e à terra e com um manifesto significado religioso -, não há tempo para descansar. Tudo tem que ser feito de modo a que o pão que resulta de um intenso esforço e labor, o pão que se partilha entre os homens e se oferece ao “Senhor”, seja a dignificação de quem o preparou. Por isso coloca-se toda a entrega na composição daquele andor piramidal que deverá sair para a rua recheado de roscas e encimado por cinco ramos coroadores, onde prolifera a doçaria caseira, guloseimas, frutos secos e também algum fumeiro.

A tarde de sexta chegou ao fim. E enquanto se dá aqui e ali um ou outro retoque no "charôlo" e se ultimam os ramos, o brilho nos olhos dos mordomos da Festa de São Gonçalo de Outeiro alumia já a noite espessa que num instante se instalou.


O Sábado da festa


L ogo bem cedo, pelo romper da manhã de sábado, um grupo de rapazes e mordomos acompanhados de gaita-de-foles, tamboril e bombo percorrem as ruas da aldeia num peditório para a festa. No outro bairro, um grupo de homens transporta o “charôlo” da casa da Junta de Freguesia para a basílica de Santo Cristo , onde é colocado como um autêntico andor para fazer parte da Eucaristia em honra de São Gonçalo, celebrada por volta das 10:30 horas. Um pouco antes começam a chegar os filhos de Outeiro que por razões profissionais ou quaisquer outras habitam na cidade de Bragança. O grande templo da aldeia, húmido e frio, já guarda lá dentro o “charôlo” e dentro em pouco vai acolher o calor e a fé da gente que neste sábado de janeiro vai venerar São Gonçalo.

A FESTA EM VERSO
Null Zulmira da Purificação Rodrigues construiu em verso todos as fases da Festa de São Gonçalo
Após a celebração da missa, segue-se a cerimónia da procissão religiosa que é também acompanhada por música tradicional adequada à situação, onde se faz notar, mais uma vez, o som de gaita-de-foles, da caixa e do bombo. Nesta procissão, que sai da basílica para contornar a pequena capela, o “charôlo” segue à frente, logo seguido do andor de são Gonçalo. O percurso é curto, fazendo-se quase sempre em território adjacente ao largo da basílica, mas tendo como ponto referencial a capelinha do santo cultuado. Depois do retorno feito ao interior do templo maior, o andor das roscas seguirá para o largo fronteiro ao edifício da Junta de freguesia, onde a festa haverá de ser retomada logo que todos os comensais repastem o almoço típico do dia de São Gonçalo.


Sendo assim, e porque está a chegar a 1 hora da tarde, coloquemos a atenção na mesa da D. Maria do Céu para onde fomos convidados pelo seu filho António Carlos Bernardo. O Sr. Manuel Bernardo, que é o chefe de família, apressa-se a informar-nos que tudo ali é “caseiro”, até o bagaço que provámos em forma de aperitivo para comprovar a sua qualidade. Entretanto, e num ambiente de agradável conviviabilidade, foi chegando o butelo, as "cascas" ou "casulas" de feijão, os chouriços, a orelheira, os chispes, as batatas e os restantes legumes. Degustámos com gosto este almoço típico de evocação do dia, que regámos regaladamente com um saboroso vinho de uns "pés de vinha" cultivados na encosta do castelo; um tinto produzido sem quaisquer aditivos e com uma graduação superior a doze graus. Informam-nos durante a conversa que esta é a refeição que está presente em todas as casas de Outeiro, por ser a gastronomia típica e da tradição do dia de São Gonçalo.

Null


Ao entrar da tarde já a gaita-de-foles e a batida do bombos se ouvem junto ao edifício da junta de freguesia, onde vão decorrer todas as “celebrações” profanas. Crianças, jovens e adultos de todas as idades e condições começam agora a juntar-se no largo fronteiro ao edifício público, bebem café no bar da junta e confraternizam entre si. Não tarda, homens e mulheres vão alinhar-se em duas filas, eles com uma rosca erguida ao céu e elas com os braços no ar. A “dança das roscas” é uma das mais interessantes manifestações de exposição do pão que existem na região. Poder-se-á dizer que é mesmo única na aparente expressividade lúdica, embora pareça envolver um conjunto de gestos e formalidades imbuídas de um valor simbólico com significação própria de ritual.

A “dança das roscas” tem como som de fundo a melodia tradicional da gaita-de-foles. Os homens e as mulheres organizam-se em duas filas tão compridas quanto o número de atores que nelas queiram participar. De um lado os homens, do outro as mulheres. O bailado arranca em movimento e cadência, os homens expõem as roscas ao sol e as mulheres dançam de braços erguidos a abanar. Cada fila avança no sentido da outra. Os rostos e os corpos aproximam-se. Depois, num movimento rápido, viram-se de costas, tocam-se "rabo" com "rabo", e troca-se a posição da fila dos homens e da fila das mulheres. A dança repete-se com os mesmos gestos, uma, duas, três, quatro, tantas vezes quanto a duração da música o permitir, até terminar em contagiosa alegria.



Após duas ou três danças, cumpre-se a tradição. Agora são as roscas dançadas pela mão dos homens que vão ser partilhadas entre os presentes. Cortam-se grossas fatias e distribuem-se por todos os que aí se encontram. Essa é a altura de partilhar; a altura da comunhão do pão entre homens, mulheres e crianças.

O resto da tarde está reservada ao leilão. As roscas, uma a uma, vão ser vendidas pela maior licitação. O “charôlo” encontra-se encostado à parede da junta de freguesia e de lá começa a ser retirado, pouco a pouco, todo o pão. Cinco euros, dez euros, quinze euros e por aí a adiante até a rosca ser entregue à melhor oferta. Este ano não há placas com as iniciais do nome das raparigas e não há rapazes a “mandarem” mais para fazer inflacionar a placa da rapariga amada. Se calhar também já não há namorados em Outeiro como havia antigamente, como no tempo em que era solteira a Srª Maria Helena Geraldes. Mas a figura do São Gonçalo ainda está presente no leilão, surgindo frequentemente alguns bonecos de pão que são quase sempre os mais "mandados" na arrematação.

O presidente da Junta de Freguesia, César Garrido, que acompanha a festa de perto, explica-nos que o dinheiro obtido com o leilão reverterá integralmente para a confraria e também para ajudar a pagar os custos da festa, porque uma festa como esta tem despesas que necessitam de ser saldadas.

A tarde já vai adiantada em Outeiro. Está na hora de entregar a responsabilidade da manutenção da tradição no próximo ano. Novamente os gaiteiros vão percorrer as ruas. As novas nomeações obedecem a uma organização que respeita a estruturação urbana da aldeia. Os próximos mordomos sairão das casas que se sucedem às casas dos mordomos que acabaram a missão. Mais uma vez o ambiente festivo se instala, um significativo número de pessoas, gaiteiros e restantes músicos param em frente das casas do novos nomeados. Toca-se, come-se, bebe-se muito, dão-se abraços e muitos vivas. Quando a noite cair é a Pandorcada que reina. É nessa altura que a festa atinge o auge do profano e num excesso de tudo, dança-se, dança-se, dança-se.
[full_width]

Vitorró, Vitorró Sr. Mordomo!

No 3º Domingo de Janeiro incluída nos rituais das festas do solstício de Inverno, celebra-se em Soutelo, concelho de Mogadouro, a festa do Santo Nome de Jesus - a festa do "Vítorró" ou Bitórró. 

É a emblemática festa do ramo de rosquilhas que segundo o Abade de Baçal metia também chocalhada (Alves ,1934) “mete também chocalhada dos moços, como em Algoso; grande pagodeira de todo o povo, que solenemente vai dar o vitorró ao senhor mordomo, gritando todos entusiasticamente e chocalhando vitorró, vitorró Sr mordomo! Merece registo esta palavra, que não vemos empregada noutra parte e parece corresponder a viva, viva o nosso mordomo!”

Tudo leva a crer que a festa do Vitorró é uma reminiscência de antigos cultos pagãos pré-cristãos, em que se desfia um cortejo de ritos e símbolos entre os quais o momento da aclamação do novo Mordomo, simultaneamente Rei e Sacerdote. Por outro lado o ramo é constituído por um conjunto de dádivas ou “presentes comemorativos festivos” propiciatórios de prosperidade e abundância do novo ciclo agrícola (Campos 2001,pág 36).

PUB

Anuncie no Notícias do Nordeste! Contacte-nos!
Consulte a tabela de preços 

O Ramo das rosquilhas, dedicado ao menino Jesus (aquele que nasce – o novo ciclo natural que nasce no solstício de natal) assente sobre uma base vegetal – o buxo (terá sido uma planta consagrada na Antiguidade a Afrodite, a Cíbele e a Hades e talvez simbolizasse ao mesmo tempo o amor a fecundidade e a morte, dado que é a imagem do ciclo da vida) onde se penduram os frutos da terra de tom dourado - (laranjas e rosquilhas). São estes que depois são dispostos de forma piramidal a formar um majestoso andor –O RAMO DE ROSQUILHAS, símbolo da abundância associado ao pão que, e, como diz Tiza sobre o Charôlo de Outeiro “o culto do pão está sempre presente , de uma maneira ou de outra , mas sempre com destaque, em todas as festas do ciclo de Inverno. São festas agrárias com uma ligação muito forte à natureza e à vida das comunidades em que o pão é o símbolo ao mesmo tempo da abundância, da força e do prestigio social”(…) prestar culto ao pão é festejar o trabalho do ano inteiro, propiciar os bons augúrios, ofertando aos santos os mesmos frutos da terra que ali se consomem religiosamente e que se desejam multiplicados por muitos para o ano que acaba de começar”.

Além do ramo, em Soutelo, assume particular importância a figura do Mordomo, o Mordomo é assim o Rei da Festa (em outras festas da mesma essência – Vinhais e Bragança, é mesmo chamado “Rei”) a quem se aclama com a saudação especial (bem como às mordomas) “ vitorró vitorró Sr. Mordomo(a)!

É o seu nome que é particularmente esperado, é ele que recolhe as dádivas e é dele que se espera a boa gestão do rendimento do ramo e das dádivas ao logo do ano e também o apoio incondicional às novas mordomas. Era também ele que noutros tempos tinha uma mesa farta para os forasteiros/festejeiros onde para entrar na casa era apenas necessário o cumprimento/ aclamação “ vitorró vitorró Sr. Mordomo!”

Mordomo provém do latim maioredomus,- o criado maior da casa, está bem patente a ideia de serviço em prol da comunidade, a razão de ser um jovem e, partindo da análise do pensamento primitivo, terá a ver com o facto, de como deduz Frazer, “O Rei deve ser investido nessa função quando está no auge da sua força, porque contagia essa força ao seu povo e à natureza, da qual o grupo depende”

A versão cristã do ramo foi descrita em 94 na primeira publicação do jornalzinho O Bi-tó-rô: “Desde os tempos primordiais desta humilde aldeia que aqui se instalou uma profunda fé cristã. Esta encontra-se retratada numa pequena igreja, no coração da aldeia, onde, num dos seus altares, uma criança diferente de Jesus, suporta um "mundo" na mão. Porém, há muitos anos, uma doença, - o carbúnculo -, transforma Soutelo numa enfermaria. Este povo humilde, guiado pela fé naquele menino em que acreditava, decide, então, prometer uma festa ao seu Santo Nome de jesusS em busca de uma cura. A doença, como por milagre, começou a desaparecer e, o povo agradecido, fez, então, a festa ao S.to Nome de Jesus. Janeiro foi o mês escolhido, 4 semanas após o Natal. É que se trata de um jovem Menino e jovens têm sido sempre os mordomos da festa.”

Muito se terá perdido da pureza etnográfica original mas a Tradição do Ramo mantém-se.Até há bem pouco faziam-se ainda as roscas (pão), mas agora fazem-se apenas as tão procuradas rosquilhas (pão doce).

Logo no primeiro dia da semana que precede o domingo de festa começa "A Semana das Rosquilhas". É tempo de todas as mulheres da aldeia se unirem às mães das mordomas para fazer as pequenas bolas de pão - “as roscas”, tendo em vista ajudar os mais pobres (com menor peso para menos pagar). Os dois dias a seguir são para se fazerem as famosas rosquilhas. No forno escolhido, as centenas de ovos, que todos deram, começam a ser quebrados, enquanto outras os batem com a força dos seus braços e lhes juntam os "milagrosos" ingredientes. No forno propriamente dito, começam a ouvir-se os estalidos dos picosos, que os pais das mordomas tinham ido buscar com muita antecedência, para estarem sequinhos, pois nas latas estão já as maravilhosas rosquilhas de todas as formas e feitios, uma espécie de amuletos. É, porém, no sábado que são postas no gigantesco andor, onde ficam a bailar sobre o verde dos buxos e onde a coroa e a hera lhe dão um ar de rei.

PUB

Anuncie no Notícias do Nordeste! Contacte-nos!
Consulte a tabela de preços 

Soutelo é uma aldeia produtora de azeite e, também isso, agradece ao Sto Nome de Jesus enfeitando a galhinha (um enorme ramo de oliveira) com doces, bombons, bolachas... Antigamente o Ramo era levado para a igreja e ofertado ao Santo Nome de Jesus, no fim do sermão o Sr. Padre Pregador matava a curiosidade do povo, com o conhecimento do novo mordomo, este era, por vezes um pequeno menino que se encontrava no aconchegante colo da sua mãe, assim como o nome das pequenas mordomas, a quem é ofertado pelas mordomas do ano em causa um ramo de rosquilhas com o seu nome como se de uma passagem de testemunho se tratasse. Depois o ramo era arrastado para junto da porta principal da igreja, para ser vendido ao toque dos sinos, no adro e onde a criançada entoava a sua cantilena: "100$00 quem dá mais?".

Seguindo a tradição, continuam a ser as crianças quem as “arrematam”, com toda a sua audácia, como quem retribui as bençãos de Jesus, mas o gigantesco andor, já não vai para a igreja nem as rosquilhas são vendidas no adro nem custam mais de 100$00. Sinais do tempo!

Na segunda feira continua a fazer-se o chamado “Ramo da Segunda" com as linguiças, salpicões, cestas de ovos e tudo o mais que venha para pendurar no grande pau forrado a buxo que o novo mordomo arranja para ir de volta do povo com o bandolim e a viola, até chegar à Igreja, onde é arrematado.

E desta forma se cumpre a harmoniosa aliança do Sagrado e do profano na festa do Santo Nome de Jesus, ou a festa do “Vitorró” ou “Bitorró”, como quisermos chamar.

Bibliografia de consulta sobre o tema:
ALVES, Franscisco Manuel (200)- memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança. Câmara Municipal de Bragança/IPM- Museu Abade de baçal,2000, tomo IX 81ª ed., Porto ,1934)
CAMPOS Nelson. (2001) “O “ramo dourado” e o “bi-tó-rô” como expressão de aclamação do rei da festa”, in fórum terras de Mogadouro, 2001
TIZA, António A. Pinelo (1996)” O Sagrado e o profano nas festas de inverno no Nordeste” in Tellus, ver. De cultura transmontana e duriense, nº 25, Junho de 1996
MAGALHÃES Susana (1993). “ Fé e carinho ao Santo Nome de Jesus” in jornal “ o Bi-tó-rô, 1993
Tradição oral: testemunhos de Maria da Purificação Magalhães
Texto de Susana Magalhães (NN)

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN